Pouco se fala (cientificamente) sobre quais são os efeitos da maconha no cérebro. Como ele reage a ela? Existem sequelas do uso? O uso é mesmo maléfico ou pode ser benéfico? E a tal da Esquizofrenia?

Um dos assuntos mais polêmicos de hoje em dia é a maconha, que se envolve em discussões que variam da legalização ao uso medicinal. Mas pouco se fala (cientificamente) sobre quais são os efeitos da maconha no cérebro. Como ele reage a ela? Existem sequelas do uso? O uso é mesmo maléfico ou pode ser benéfico? E a tal da Esquizofrenia?

Os canabinoides

A maconha, como qualquer outra planta ou ser vivo, não possui só uma substância química no interior de suas células. Representa mais um coquetel de moléculas diferentes que uma fonte de um composto específico. As duas principais substâncias conhecidas de sua composição são o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O primeiro é o principal alucinógeno do vegetal, sendo responsável pela maioria dos “baratos” do uso recreativo da droga. Já o segundo, ironicamente, é como que um antagonista do primeiro, atuando mais como analgésico e desempenhado outros efeitos terapêuticos semelhantes.

A atividade cerebral com a maconha

O que alguns estudos com neuroimagem observaram é que, após o uso da maconha ou a administração do THC isoladamente, os indivíduos apresentavam uma atividade reduzida em lobos temporais, giro frontal inferior e ínsula, ao mesmo tempo que havia uma ativação exagerada do córtex pré-frontal dorsolateral. Tudo isso foi observado simultaneamente a testes que envolviam o uso da memória e atividades executivas (aquelas que exigem concentração e planejamento para serem executadas). A capacidade de realização dessas atividades pelos sujeitos das pesquisas estava diminuída após o uso do THC ou da maconha.

Mas e esses aumentos de atividade em algumas regiões? Ao que tudo indica, essas regiões estavam hiperativas por estarem se esforçando mais para cumprir as mesmas tarefas de antes, ao mesmo tempo em que recrutavam áreas cerebrais que normalmente não estavam envolvidas naquela determinada função. Em outras palavras, o cérebro estava com mais dificuldade de realizar tarefas cognitivas, necessitando de maior atividade para atingir os mesmos resultados anteriores ao uso da droga.

Ao mesmo tempo, os indivíduos apresentavam uma dificuldade em suprimir a “rede de modo padrão”. Essa rede é um circuito de estruturas ativadas quando a atenção da pessoa sai do mundo externo e a mente vaga. Consequentemente, sem inibir esse sistema, não conseguimos nos concentrar em atividades a serem executadas, semelhante ao que ocorre no uso da maconha. Ao mesmo tempo, os sujeitos da pesquisa apresentavam menor ativação em regiões do córtex cerebral responsáveis por manter a capacidade de concentração, comprometendo ainda mais a execução de tarefas.

Maconha x Esquizofrenia

Mas onde a Esquizofrenia e outras síndromes psicóticas entram em todo esse assunto sobre a maconha? Inicialmente, os efeitos da droga são muito semelhantes aos sintomas de uma síndrome psicótica (delírios, alucinações, dificuldade de concentração e de memória etc). Mas, mais que isso, todas as alterações citadas na seção anterior também estão presentes em pacientes com Esquizofrenia.

Outras alterações que coincidem são:

  • O aumento da substância branca com redução simultânea da substância cinzenta no hipocampo e na amígdala (culminando em dificuldades na memória de curto prazo e comportamentos sociais “inadequados”);
  • Hiperatividade do córtex pré-frontal por diminuição da atividade GABA (culminando em desatenção);
  • Hiperatividade da via mesolímbica e mesoestriatal pelo mesmo mecanismo. Esse último efeito aumenta a liberação de dopamina no núcleo estriado e córtex cerebral, causando as alucinações características da psicose e também do uso da maconha.

Uma das principais drogas recreativas usadas pelo público mais jovem. Alguns estudos indicam que a maconha possa ter relação com o desenvolvimento de Esquizofrenia e outras psicoses.

Maconha e adolescência

Durante a adolescência existe um grande aumento na atividade do sistema endocanabinoide no cérebro, provavelmente para coordenar todas as mudanças comportamentais, emocionais e os aprendizados que ocorrem ao longo dessa fase. Por consequência, essa é a época em que o cérebro está mais sensível ao THC da maconha.

Daí a preocupação dos pesquisadores com efeitos a longo-prazo do uso da maconha nessa faixa etária. Semelhante ao que ocorre na gestação, o cérebro na adolescência está sendo moldado, com produção de novas conexões e mudanças estruturais; assim, poderá sofrer desequilíbrios mediante o uso da maconha.

A suspeita é apoiada por alguns estudos que observaram uma maior incidência de Esquizofrenia em adolescentes que faziam uso da droga. O transtorno também surgia mais cedo (por volta dos 15 aos 19 anos) nos usuários, o que significa um pior prognóstico quanto ao tratamento e complicações.

O dilema

O objetivo desse texto não é opinar quanto às questões tão debatidas como legalizar ou não o uso da maconha, liberar seu uso terapêutico, ou outras discussões semelhantes. O objetivo é passar algumas evidências científicas sobre o assunto, que nem sempre são divulgadas tão amplamente quanto necessário.

Mesmo as pesquisas são falhas em alguns momentos. A maioria dos estudos apenas avaliou os efeitos do “uso” da maconha, sem necessariamente observar as diferenças em relação à quantidade de maconha usada, a frequência com que é usada, as diferentes formas de preparação da droga, as diferentes proporções de THC nessas preparações, dentre outras coisas.

Além disso, os vários dilemas que cercam o assunto são complexos e delicados, não dependendo apenas das questões médicas ou científicas, mas também de questões sociais, políticas, legistativas e culturais.

Contudo, o importante para resolver essas questões é entender o caráter sistêmico do assunto, não sendo possível chegar a conclusões e condutas adequadas sem considerar cada um dos pontos em questão (do científico ao cultural).

Fontes: Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological PsychiatryBritish Journal of Pharmacology.,

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